A fundadora do Carmelo Maria Imaculada da SS. Trindade
- Tiago Lucena
- 11 de jan. de 2023
- 5 min de leitura
Atualizado: 16 de jan. de 2023

Iniciando a preparação para a celebração dos 80 anos de fundação do Carmelo da Sagrada Família, não há como fazer memória desta obra de Deus sem fazer referência àquela “pobre serva” – como ela mesma se designava – que foi o instrumento utilizado por Deus para que este mosteiro existisse: Mãezinha, a Serva de Deus Maria Imaculada da Ss. Trindade, de quem celebramos, em 20 de janeiro p.p. os 35 anos de sua Páscoa para o Céu.
Quem foi esta mulher? O que fez para “merecer” que tantas pessoas se lembrassem e se ocupassem dela, mesmo após anos de sua morte? Uma monja de clausura teria algo eficaz e válido a dizer ao mundo de hoje?
São Paulo afirma que “o que é fraqueza no mundo, Deus escolheu para confundir o que é forte; e o que no mundo é vil e desprezado, o que não é, Deus escolheu para reduzir a nada o que é,” e assim, esclarece-nos um pouco a dinâmica do agir divino na vida de muitas pessoas e, dentre elas, de Mãezinha.
A criança Giselda nasceu em 1909, numa família profundamente católica, que residia em Maria da Fé, MG. Fogosa e irrequieta, inteligente e teimosa, entre outras estrepolias, quis montar num cavalo bravo, que a derrubou, e dando-lhe um coice na virilha, provocou uma ferida que degeneraria em câncer. Utilizou-se de todos os parcos recursos da medicina da época, mas sua vida estaria, daí por diante, marcada pela cruz da doença.
Estudou com as Irmãs da Providência de Gap, formando-se em Magistério, em Itajubá. Lecionou neste Colégio, e pouco a pouco, neste período, amadureceu sua vocação religiosa. Os pais temiam, tanto pelo temperamento irascível da filha como por sua frágil saúde. Ainda mais que sua escolha caiu sobre o Carmelo, cujo estilo exige obediência contínua, estreita vida comunitária, e uma rotina muito austera.
Porém, a jovem Giselda não olhava para isto. Seus olhos estavam fixos em Deus! Descobrira já, existencialmente, o mistério do amor infinito de Deus que quis habitar no coração humano, transfigurando toda a vida humana em comunhão e alegria divina, que deve transbordar no amor ao próximo. Ainda na portaria do Carmelo de Campinas, onde entraria, escrevia ao pai: “Estou radiante de alegria, e o mesmo quero que reine aí, pois estejam certos que serei imensamente feliz se puder viver atrás daquelas grades que tão fortemente me atraíram. A vida da carmelita não é que se pensa cá fora. Ali, vive-se alegre e tranquila. Não sei como agradecer a Deus esta tão grande graça! Só sei dizer que sou muito e muitíssimo feliz!”
A Superiora do Carmelo vislumbrara naquela jovem de saúde preocupante um espírito vigoroso, forte e decidido. E a aceitou, juntamente com a Comunidade. Pouco tempo depois de sua Profissão solene, já foi eleita Subpriora, e muito ajudou o Carmelo, colocando à disposição de Deus e das Irmãs todos os seus dotes humanos e espirituais.
É evidente que nem tudo foi um mar de rosas, e Mãezinha, décadas depois, fazia suas filhas rirem nos recreios, contanto seus apertos de ter que varrer uma escada de baixo para cima (pedagogia da época), de achar que tinha que comer tudo o que lhe serviam, e as Irmãs, vendo que ela “comia bem”, aumentavam a cada dia o seu prato... O que lhe valeu um problema sério de estômago... A sua perna, sempre inchada, com crises de erisipela... Mas nada disso era capaz de diminuir sua alegria naquela unida comunidade. Esperava viver para sempre ali, mas “os pensamentos de Deus não são os nossos pensamentos...”
Com apenas 34 anos, foi escolhida para vir para Pouso Alegre, como Priora, fundar o Carmelo da Sagrada Família, com mais 3 Irmãs. Estas, gradativamente voltaram para o Carmelo de Campinas, de forma que em menos de sete anos de fundação, vê-se sozinha com um grupo de alegres e inexperientes noviças.
A casa provisória, berço da fundação, torna-se pequena para acolher as vocações. Urge a construção do mosteiro próprio para a vida carmelitana. Entre empréstimos, doações e economias, conseguem comprar o terreno, e ficam “zeradas” para iniciar a enorme construção. A falta de recursos não inibe a fundadora, que procura que o novo mosteiro tenha todas as condições necessárias para uma saudável vida de clausura. Seu ousado projeto assusta D. Octávio, mas ela lhe responde que confia em Deus. Trabalham muito, mas também apelaram para o Céu, elegendo uma “Comissão Celeste Pró-construção”; amigos ajudaram-nas, incansavelmente, com campanhas e rifas; e uma estampazinha do Menino Jesus percorre o Brasil, pedindo esmolas para a construção.
Neste ínterim, o telhado da velha casa ameaça desabar. A jovem comunidade adapta-se no porão da casa e ali vive por mais de um ano, até que, enfim, o sonho se realiza, e muda-se para o novo prédio. Neste dia, olhando a construção, D. Octávio exclama: “Realmente, o dedo de Deus está aqui!” Ainda faltava a Capela, muros, pátio externo, arrumação do quintal... Tudo foi construção “de pobre,” pois a construção só terminou mesmo em 1984, mas com material resistente, e de forma muito bela, pois Mãezinha sempre dizia: “A casa é de Deus, e Ele merece o melhor.”
Em meio a tanta azáfama administrativa, a dimensão espiritual nunca foi esquecida. Me. Maria Imaculada velava por cada filha que Deus lhe confiou. E zelava, principalmente, pelo clima da Comunidade. Seu único pedido a Deus, no dia da fundação, não foi que lhe enviasse muitas vocações, nem que lhe desse logo o mosteiro regular, mas que aquele nascente Carmelo fosse um novo lar de Nazaré: que ali reinasse o amor e, se não fosse assim, que Ele acabasse com o Carmelo.
Mesmo com a perna terrivelmente inchada, entre as intermitentes crises de erisipela, atendia todos os que vinham a ela pedindo orações e orientação existencial e espiritual. Criou uma grande rede de amigos. Preocupava-se com cada um e rezava.
Rezava... Era uma mulher de Deus. Via – na fé – o Invisível, constantemente e em tudo. Esse senso sobrenatural caracterizava-a fortemente.
Querendo poupar as Irmãs, escondeu, enquanto pôde, que o câncer fazia seu silencioso progresso. Sufocada pela falta de ar, mas serena, falece a 20/01/1988, depois de fixar o olhar numa imagem do Sagrado Coração de Jesus.
Foi sepultada no interior da clausura. Mas o povo não se esqueceu de sua “Mãezinha”. Um amigo e benfeitor do Carmelo começou a vir rezar... diante do muro da clausura, onde sabia ser o ponto mais próximo de sua sepultura. E depois dele, outras pessoas. Graças e graças foram alcançadas. Este movimento espontâneo levou as Irmãs a pedirem a D. Ricardo a abertura do Processo de Canonização de Me. Maria Imaculada.
Mulher simples, silenciosa, sem nada de extraordinário, a não ser o seu amor e sua fé. E por isso tornou-se um farol a apontar para o Absoluto de Deus num mundo que vive a indiferença pelo Transcendente e o ateísmo silencioso. Na “cultura do descartável”, como o Papa Francisco define nossa época, Mãezinha aponta, com sua existência, para o valor do cuidado pelo outro, para a inviolabilidade e sacralidade da vida, em todas as suas dimensões. Principalmente a espiritual: “Olhe para Jesus, e faça como Ele!”
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